Um roteiro de mais de 5000km até o Marrocos

No ano 2000 (sim! Há vinte anos!!!), eu, minha irmã e nosso melhor amigo resolvemos fazer um “mochilão” pela Europa, incluindo um roteiro no Marrocos.

Roteiro no Marrocos – o “mochilão”

Na realidade, antes de mais nada, devo dizer que o “mochilão” que fizemos, tanto na Europa, quanto no Marrocos, foi meio fajuto, porque, além de não levarmos mochilas e sim malas, estávamos de carro.

Éramos jovens e, portanto, muito pouca coisa (ou quase nada) nos assustava.

Meu pai, um ser peculiar, em outras palavras, um pouquinho louco, sugeriu que fizéssemos um roteiro de mais de 5.000 quilômetros, em 35 dias, comigo ao volante (à época, com 20 anos de idade), cruzando 5 países em 2 continentes.

Na Europa, passaríamos pela França, Espanha, Portugal e também por Andorra. Na África, por outro lado, faríamos um roteiro no Marrocos, país islâmico que fica ao norte do continente.

Um detalhe: naquela época não existiam smartphones e o GPS não era uma bugiganga muito acessível. Ou seja, fomos na cara e na coragem, com um mapa de papel nas mãos.

Partiu Marrocos

Não sei se tínhamos maturidade naquela época para apreciar o Marrocos, bem como todas as suas facetas. Mas uma coisa é certa: tivemos experiências (boas e ruins) inesquecíveis.

Havíamos feito, de antemão, o leasing de um Citroën Xsara, em Paris, diretamente da Citroën. A partir de lá, cruzamos diversos países, indo parar, finalmente, no Marrocos. 

Com o nosso possante (que não tinha ar condicionado), cruzamos a França de norte a sul, bem como Portugal e Espanha. Até ali, tudo muito tranquilo. Chegando ao estreito de Gibraltar, cujos rochedos foram, segundo a mitologia, separados por Hércules com suas próprias mãos, estávamos prestes a cruzar o mar Mediterrâneo e adentrar não somente um continente diferente, mas um país ainda mais diferente.

Entre os anos de 1912 e 1956, a maior parte do território do Marrocos foi um protetorado da França, após o que, reconquistou sua independência. Assim, praticamente todo mundo fala francês ali, além das línguas oficiais – árabe e tamazight.

A saga começa aqui…

A balsa deixou o continente europeu pela pequena cidade de Algeciras, na Espanha, e aportou na cidade de Ceuta, que é, na realidade, território espanhol, porém, no continente africano. A travessia da balsa durou aproximadamente 45 minutos. Chegando à fronteira terrestre entre Ceuta e o Marrocos, percebemos imediatamente o choque de culturas. A burocracia da imigração nos tomou mais de uma hora, sendo que tínhamos mais 200 km a percorrer, até nosso destino, qual seja, a cidade de Fez.

Entrando no país, conforme já esperávamos, nos deparamos com placas de sinalização em caracteres árabes e somente conseguimos encontrar nossa estrada graças à ajuda de policiais. Mas isso foi naquela época: acredito que atualmente, pelas regras internacionais, as placas devam estar escritas em linguagem acessível a todos.

No Marrocos, como em todos os lugares, há policiais bons e maus. E, claro, existe corrupção (contarei um caso abaixo).

A temperatura subiu brusca e imediatamente. 

Ao longo da estrada, vislumbrávamos uma indescritível paleta de cores e matizes do deserto, que variavam entre ocre e magenta, cortadas por um rio azul.

Fez

Chegando a Fez, primeiro ponto de nosso roteiro no Marrocos, conforme alguém nos havia prevenido, fomos abordados por um punhado de rapazes, em suas lambretas, emparelhando com nosso carro e oferecendo seus serviços de guia. 

O curioso é que eles falavam pelo menos uma dezena de idiomas e tentavam decifrar qual língua falávamos, assim perguntando: “English? Français? Español? Italiano? Português? Deutsche?”. Eles querem justamente nos ganhar pelo cansaço. Contudo, o ideal é contratar um guia oficial (e assim o fizemos), porque muitas pessoas tiveram problemas de combinar um preço e, ao final, ser cobrado a mais.

Ficamos em um hotel 4 estrelas, chamado Tghat, por um bom preço. Lá, o próprio concierge entrou em contato com um guia oficial. Assim que ele chegou, saímos para explorar a cidade.

Enquanto o guia nos conduzia pelos estreitos corredores da medina de Fez (medina é o centro velho da cidade), ele nos contava um pouco sobre a história do Marrocos. Disse que os primeiros habitantes daquela terra eram chamados de berberes, os quais perduram até os dias atuais.

A medina é composta por lojas que vendem de tudo, desde comida, roupa, obras de arte, até animais. Ali transita muita gente diariamente.

Na medina há também mesquitas, dentre elas, a Madrassa Bu Inaniya, que foi uma das primeiras universidades do mundo, agora transformada em templo religioso.

Madrassa Bu Inaniya
medina de fez

Às sextas-feiras, a mesquita abriga cerca de 22.000 fiéis.

Ali jaz o corpo do Mulay Idriss II, um califa do Marrocos.

Logo depois, fomos visitar uma tecelagem de tapetes.

Marrocos

O imóvel foi construído no século XIV, e no ano de 1956 a tecelagem foi ali estabelecida, comportando 1.300 tecelãs.

Vimos o processo manual de tecelagem e até praticamos simultaneamente.

Os famosos cortumes

Posteriormente, fomos conhecer os curtumes de couro Chuara. É um dos lugares mais emblemáticos de um roteiro no Marrocos. Ali, o couro é curtido e tingido com tintas vegetais. O azul vem do índigo, o vermelho vem da hena, o amarelo da papoula, o verde da menta, assim por diante.

Curtume de couro
A mesma técnica é usada há séculos.

O couro, que pode ser de carneiro, de camelo, de cabra ou de vaca, fica imerso nas tinas de calcário por cerca de 25 dias, em uma solução feita com sal e amônia (esta última, proveniente das fezes de pombos).

Dessa forma é que são tingidos e o processo leva aproximadamente sete dias.

O guia nos levou, então, para uma loja de antiguidades, onde havia várias peças interessantes, dentre elas, uma espécie de broche, que as tribos de berberes usavam para se diferenciar umas das outras (havia aproximadamente 56 tribos diferentes).

Momentos tensos nas estradas do Marrocos…

Dando continuidade a nosso roteiro no Marrocos, no dia seguinte, acordamos cedo e deixamos Fez, pegando a estrada em direção a Marrakesh (cerca de 500 km de distância). A viagem foi bastante cansativa, pois fazia um calor de aproximadamente 50 graus Celsius e nosso carro não tinha ar condicionado. Não havia pontos de parada no caminho, apenas pequenas mercearias (sem mencionar os rebanhos atravessando a via).

As estradas eram estreitas, porém, em bom estado.

Aconteceu um pequeno episódio tragicômico neste percurso: fomos abordados por dois policiais corruptos.

Tudo aconteceu da seguinte forma: eles colocaram na estrada, em um local totalmente deserto, uma pequena placa móvel, quase imperceptível, onde estava escrito “PARE”. Porém, a viatura estava escondida. Obviamente não parei, pois sequer vi a placa! Logo em seguida, os policiais surgiram do nada e nos pararam. Aos berros, em francês, disse que eu havia cometido uma infração de trânsito, porque eu não havia parado diante da placa. 

Por outro lado, tentei justificar, dizendo que eu nunca tinha visto isso na vida (uma placa móvel de “Pare” no meio do nada) e ele, gritando ainda mais, disse que eu estava no Marrocos e tinha que seguir as leis de lá. Ainda muito carrancudo, ordenou que eu descesse do carro e apresentasse minha documentação. Fiquei com muito medo de me levarem para um canto e fazerem algo contra mim.

Os benefícios de ter um passaporte brasileiro:

No momento em que eu exibi meu passaporte Brasileiro, tudo imediatamente mudou de figura! Ambos os policiais abriram um grande sorriso e começaram a falar: “Brasil! Futebol! Pelé! Ronaldo! Romário! Samba!”. Fiquei quase aliviada pela repentina simpatia deles e até sambei para mostrar os passinhos de nossa bela dança. Ao final, pediram com muito carinho que eu lhes desse uma propina. Eu, fazendo uma cara de drama, logo disse: “Bem, nós somos estudantes brasileiros, não somos ricos. Se dermos propina aos senhores, não jantaremos hoje.” Eles, então, disseram: “Ah, tadinha, então tá bom. Vai com Alá, boa viagem. Não vamos te multar”.

No final das contas, felizmente, saímos ilesos (fisicamente e financeiramente).

Na hora eu fiquei apreensiva, mas, depois, essa história nos rendeu boas risadas.

Chegamos a Marrakesh às 18h00 e nos hospedamos em um hotel chamado Imilchil. Ainda estava muito calor, então fomos para a piscina e jantamos lá mesmo

Marrakesh – uma das capitais do Marrocos

Com nosso carro e desde já levando o guia conosco, saímos para explorar as ruas de Marrakesh, capital do sul do país. Vale dizer que Rabbat, por outro lado, é a capital administrativa e Casablanca é a capital industrial. 

Marrakesh foi fundada no século XI, pelos Almorávidas (nômades provenientes do Saara) e é povoada primordialmente por pessoas de origem berbere. Conta com aproximadamente 500.000 habitantes.

É uma cidadezinha muito pitoresca e charmosa, de cor terracota, uma vez que seus imóveis são todos pintados nesse tom, de acordo com determinação da lei local.

Marrakesh

Em Marrakesh está a maior medina da África, a qual conta com 750 anos de existência (“Medina” significa cidade velha amuralhada).

Praça principal de Marrakesh

Fomos, primeiramente, ao Mosque de Koutoubya, erigido no séc. XII, no auge da prosperidade do Império Almohad (descendentes dos Almorávidas).

Mosque de Koutoubya

Esse mosque foi construído simultaneamente à Giralda de Sevilha, na Espanha, e apresenta o mesmo estilo arquitetônico.

A construção não é totalmente original, porque houve reparos posteriores.

Avistamos, ainda, o portal do forte de Kasba, construção original, datada do séc. XII. Não pudemos entrar na respectiva mesquita, pois somente muçulmanos são admitidos.

Tumbas Saadianas:

Seguimos, então, para as Tumbas Saadianas, onde estão sepultados Al-Mansur, suas esposas, pais, bem como outros familiares, membros da dinastia Saadiana (Séc. XVI). O mausoléu é maravilhoso, com tetos e paredes ricamente ornamentados com detalhes em cedro, gesso e ouro, este último trazido do Sudão e de Timbuktu (possessão marroquina, à época).

Tumbas Saadianas

Em seguida, passeamos um pouco pelo mercado árabe (souq) da medina, que vende toda sorte de souvenirs, couro, cerâmica, especiarias, entre outros. 

Souq
roteiro no Marrocos
Lojinhas

Já pela tarde, o guia foi novamente nos encontrar e visitamos um jardim exótico, com cactos das mais variadas formas e tamanhos, bem como fontes e pequenos lagos artificiais, cobertos de vitórias-régias.

roteiro no Marrocos
Jardim de cactos

Depois que deixamos os jardins, fomos ao Palácio La Bahia, muito bonito. Ele data do séc. XIX e foi construído por Sid Moussa, que fora anteriormente grão-vizir do Marrocos.

roteiro no Marrocos
Palácio La Bahia
Detalhes dos entalhes da parede
La Bahia

Por fim, fomos conhecer a exótica Praça Jeema el Fna, com seus vendedores ambulantes, encantadores de serpentes, acrobatas, tatuadores, e outras figuras peculiares, além de dezenas de turistas.

Praça Jeema el Fna
Marrocos
Encantadores de serpentes
Marrocos
Praça Jeema el Fna
Marrocos
Vendedores de água

O jantar do Alladin

Retornamos ao hotel e nos arrumamos para assistir a um espetáculo, em um espaço shows, chamado Chez Ali Fantasia. Trata-se de uma superprodução, com um toque de exagero, e que nos faz sentir em um desenho do Alladin. As crianças, porém, adoram, sendo uma interessante atração em um roteiro no Marrocos. Uma van nos levou até o local, que era, em suma, uma grande e extensa arena. 

A decoração era pomposa, imitando palácios, além de fontes, serpentes de verdade, bem como pessoas fantasiadas. Havia, também, dançarinos, cantores, músicos tocando tambores, cornetas e clarinetes, que fizeram um corredor para recepcionar os turistas. Foi servido um jantar ao ar livre, com tagine de vegetais, cordeiro ao molho de frutas e, ainda, cuscuz marroquino. O show foi apresentado na arena e incluía dança do ventre, acrobacias sobre cavalos, fogos, camelos e até mesmo um tapete voador, que fascinou as crianças presentes.

roteiro no Marrocos
Imagem de Viator.com

Rabbat – outra capital do Marrocos

Continuando nosso roteiro no Marrocos, pela manhã, apanhamos imediatamente a estrada rumo a Rabbat, capital administrativa do Marrocos. 

Visitamos, assim, a Torre de Hassan, erigida durante o império Almohade, no séc. XII, e restaurada no séc. XIV. 

Toda a área ao redor da torre abrigava uma mesquita, que foi derrubada por um terremoto em 1755, restando apenas uma parte do muro e dos pilares. Repare que inicialmente, havia ao todo 354 pilares, um para cada dia do ano do calendário muçulmano. 

Próxima à torre, está a Tumba do Soldado Desconhecido.

roteiro no Marrocos
Torre de Hassan

Em frente, está o mausoléu de Mohammed V, avô de Mohammed VI, que era, naquela época, o rei do Marrocos. Mohammed V foi um dos principais símbolos da resistência contra a colonização francesa. 

O mausoléu foi concluído em 1971 e conta com uma refinada decoração.

roteiro no Marrocos
Mausoléu de Mohammed V
roteiro no Marrocos

Fomos, por fim, visitar por fora o Palácio e Residência Real, cuja construção data do séc. XVIII. 

Meknes

Logo cedo, partimos em direção a Meknes, último ponto de nosso roteiro no Marrocos. Ao chegarmos, fomos imediatamente explorar a pequena cidade. Passamos, primeiramente, pela Porta Bab Mansur, que era o portal de entrada da antiga cidade velha e foi erigida a mando do Mulai Ismail. 

roteiro no Marrocos
Porta Bab Mansur

Mais adiante, encontra-se o Mausoléu de Mulai Ismail, muito rico em adornos, sobretudo em seu interior. Este sultão era contemporâneo do francês Luís XIV, ao passo que foi um dos mais violentos soberanos marroquinos. 

Mausoléu de Mulai Ismail

Não dormimos em Meknes, pois apanhamos imediatamente a estrada para regressar a Ceuta, território espanhol, finalizando, assim, nosso roteiro no Marrocos.

O retorno

A estrada entre Meknes e Ceuta estava em mau estado, ou seja, uma buraqueira só. Em contrapartida, a vista era maravilhosa, principalmente entre Tanger e Ceuta, com penhascos e falésias que morriam no azul turquesa do mar mediterrâneo. 

A imigração para retornar à Europa foi igualmente uma novela, sendo que  passaram até mesmo um espelho por baixo do carro para ver se carregávamos drogas ou imigrantes ilegais. 

Finalmente, após entrar em Ceuta, apanhamos a balsa até a pequena cidade de Algeciras, no continente europeu, e continuamos nossa aventura por mais alguns dias na Europa!

Para mais destinos no continente Africano, confira também Egito  e   África do Sul.

P.S.: Minha amiga Elizabeth Werneck fez da mesma forma uma viagem para o Marrocos e traz dicas valiosas em seu blog, incluindo dicas sobre praias e sobre a cidade azul, Chefchaouen. Além disso, ela escreveu um post sobre o interessantíssimo sobre A arvore de argan e o pé de cabra

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14 comentários em “Marrocos”

  1. ANGELA MARTINS

    Marrocos está na minha lista de desejos! Adorei ler o relato da sua viagem por essa região. Muita aventura!

  2. Pingback: cidade imperdível na Espanha - um roteiro com 15 cidades no interior

  3. Pingback: Egito • Turismo de Primeira Egito - Uma terra encantada

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